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Mingau de buriti/miriti é tema de pesquisa da UFPA

Venda da iguaria aproveita sabor e incentiva a economia e cultura local

Na cidade de Abaetetuba, o mingau de miriti ou de buriti é fonte de renda para muitas famílias e revela uma complexa rede social, econômica e cultural. Flávio Bezerra Barros, pesquisador do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Pará (NCADR/UFPA), desenvolveu uma pesquisa que descreve o cotidiano, o consumo e as relações sociais que estão diretamente ligadas à venda do mingau de miriti pelos “mingauleiros” ou “mingoleiros”, como dizem os próprios moradores da cidade.

“Percebemos que a atividade tem uma importância inconteste na vida dessas pessoas pela venda de mingau. Resolvemos, então, conduzir um trabalho etnográfico na beira de Abaeté”, descreve o professor.

A “beira” de Abaetetuba é como as pessoas se referem à Feira da cidade, que fica localizada às margens do rio Maratauíra, um dos afluentes do rio Tocantins. E é nessa feira que a pesquisa foi realizada. “Percebemos que a venda de mingau em Abaetetuba é uma tradição que se sustentou no tempo e no espaço, a qual nasce nas ilhas - que eles chamam de sítios - e essas pessoas, numa dada altura da vida, migraram para à cidade,  trazendo essa tradição de fazer o mingau”, aponta Flávio Barros.

Mudança de vida - Segundo o pesquisador da UFPA, adotar a prática de produção e venda do mingau de miriti ajuda na melhoria das condições de vida da população local. É o caso da Dona Carmem. “Eu trabalhava em casa de família como empregada doméstica e desde fevereiro de 2013 passei a vender mingau de miriti e outros produtos na banca. Aprendi a fazer mingau com minha mãe porque eu nasci no sítio e hoje moro em Abaetetuba. E é bem melhor vender mingau do que trabalhar nas casas dos outros. Eu trabalhava demais e ganhava pouco.”

O senhor Lambreta, um dos conhecidos mingauleiros de Abaetetuba fala da importância do mingau de miriti na sua vida. “Eu nasci no sítio e não tive oportunidade de estudar, criei quatro filhos com mingau de miriti. Sem saber ler e escrever, em que eu ia trabalhar? Eu sou católico e toda terça-feira vou à missa rezar e agradecer tudo que tenho por causa do miriti. Acordo todos os dias 1 hora da madrugada e chego aqui na beira às 4:30-5:00 horas. Preparo tudo em casa e venho vendendo pela rua. Crio 9 netos, sendo dois adotados. Comprei casa, criei quatro filhos e construí todo meu patrimônio vendendo mingau de miriti aqui na beira.”

De acordo com o pesquisador da UFPA o exemplo do senhor Lambreta é o retrato do perfil dos vendedores da cidade: “Muitas pessoas vieram dos sítios, ou seja, das ilhas – são cerca de 70 próximas à Abaetetuba – e conseguiram, na cidade, se sustentar comercializando o mingau. A rotina começa cedo, muito antes de o sol nascer. Essa renda possibilitou melhoria de vida para as gerações que vieram a posteriori”.

Iguaria no inverno amazônico – “No inverno amazônico, quando o açaí está em falta na região, o mingau de miriti se torna protagonista na alimentação da população ribeirinha. A safra de miriti é abundante e pelo sabor típico do fruto muitas pessoas se dirigem à beira da cidade para comprar a iguaria. Muitas delas tomam o mingau quente e nem se importam com o clima da cidade, que às 11 da manhã, é escaldante”, explica Flávio Barros.

Além de apresentar uma importância cultural sem igual na vida da população, a venda do mingau causa um grande impacto na economia local, pois envolve muitas pessoas em todas as fases de preparação. Essa rede reúne pessoas desde a coleta do fruto nas ilhas, até o preparo final do mingau e geralmente envolve todos os membros das famílias, como relata Dona Josefa.

Produção do mingau mobiliza a população - “Eu acordo todos os dias às 3 h da madrugada, faço minha caminhada e venho para o boxe. Meu marido dá todo apoio. Ele vai buscar a polpa de miriti, vai pra casa e bate a massa lá. Benedito (seu marido) traz o vinho e eu preparo aqui. Vendo meu mingau por R$ 1,00 ou R$ 1,50.”

Porém, a venda do mingau envolve uma rede mais extensa que as familiares. “É uma atividade em que eu vou contar com o dono de uma loja onde se guarda a banca; tem a pessoa que vem da ilha trazendo a polpa de miriti processada para ser batida em uma máquina de açaí; há a pessoa que vai encher água; outro é responsável por lavar a panela, e assim por diante. A rede ainda se expande quando o mingauleiro não tem sua própria máquina de bater e aí tem que pagar para outra pessoa bater. São relações cheias de conexões”.

Consumo do mingau revela hábitos culturais - Além da “beira”, em outros bairros de Abaetetuba, muitas pessoas vendem o mingau na frente de suas casas, caracterizando assim uma economia de base informal na cidade e que movimenta muito mais pessoas e gera uma renda significativa. “A gente tem visto que o miriti tem uma força impressionante na nossa Amazônia paraense e em particular ali naquela região. Porque o que impressiona é a capacidade humana de criar tantas formas diferentes de apreensão de uma palmeira, de uma árvore. Por isso que a gente chama o miriti de Árvore da Vida porque as pessoas dizem ‘dessa palmeira tudo dá’”, descreve Flávio Barros.

Outro fator interessante é a própria transformação no estilo de consumo do mingau. Antes ele era consumido na cuia, mas com o tempo e por motivos de higiene, a cuia foi substituída por copos descartáveis. Isso, por sua vez, significou um novo custo para o vendedor, além de agredir mais o meio ambiente. Mesmo assim, algumas bancas ainda preservam o antigo costume, pois, ainda há muitas pessoas que preferem tomar o mingau na cuia.

Além de toda essa importância, social, cultural e econômica, o professor destaca a multiplicidade gastronômica do miriti, que é vista principalmente durante o festival do miriti que acontece na cidade entre o final de abril e início de maio. “A gente já catalogou creme, brigadeiro, chope, vatapá, pudim, cocada, beijo de moça”. Fora a imensidão de artesanatos, cestarias que pode se fazer a partir da palmeira.

Divulgação do açaí pode prejudicar cultura do miriti - Nos últimos anos, empresas farmacêuticas e de cosméticos têm feito parcerias com moradores e associações locais para fins comerciais e isso tem preocupado os pesquisadores da UFPA. “Já tem uma preocupação no nosso grupo devido à demanda do mercado com o açaí, trazendo, de certa forma, um risco para as comunidades ribeirinhas da Amazônia paraense. Os ribeirinhos em algumas comunidades começaram a derrubar os miritizeiros”.

A derrubada pode ter impactos ambientais, pois muitos moradores estão fazendo plantio de monocultura do açaí e deixando de lado o miriti, o que prejudica o equilíbrio ambiental e revela a importância ecológica da palmeira. “Esse novo contato, o próprio mercado, as empresas e até mesmo as políticas de estado que incentivam a cultura do açaí têm influenciado os ribeirinhos a preterir a monocultura do açaí e, para isso, eles começaram a derrubar o miriti”, lamenta o professor do NCADR.

Flávio Barros acredita que a comunidade e o poder público devem mudar de postura e buscar valorizar mais a cultura e as práticas econômicas da rede local que envolve o miriti. “Devemos incentivar essas práticas alimentares tradicionais que beneficiam a nossa sociobiodiversidade e que trazem mais saúde para a população. Uma das medidas possíveis seria, por exemplo, a adoção do mingau de miriti nas escolas da região, pois, além de tudo, as crianças adoram tomar o mingau e ele é nutritivo, é nosso, sem agrotóxico, sem industrialização, mais barato e valorizaria essa atividade das famílias locais”, defende o pesquisador.

Texto: Ronaldo Palheta – Assessoria de Comunicação da UFPA
Publicado em: 14/08/2015
Unidade: Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural (NCADR)
Status: Pesquisador Flávio Barros disponível para entrevistas.
Fotos: Divulgação/NCADR, Recanto das Letras e Agência Pará

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