Pesquisas da UFPA revelam contaminação em Belém
Presença de HPAs indica que Rio Aurá e Baía de Guajará são receptáculos de contaminantes
Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Pará (UFPA) indicam que os sedimentos do rio Aurá e da baía de Guajará podem estar contaminados por compostos mutagênicos e carcinogênicos, ou seja, que podem causar câncer ou mutações genéticas. Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, ou simplesmente HPAs, foram a base de dois estudos científicos orientados pelo professor José Augusto Corrêa, doutor na área de geoquímica ambiental do Instituto de Geociências da universidade Federal do Pará (IG/UFPA).
Os HPAssão compostos formados por carbono e hidrogênio, gerados pela combustão incompleta da matéria orgânica, como lixo e produtos derivados de petróleo (óleos, diesel e gasolina, por exemplo). Elesencontram-se entre os contaminantes de maior interesse em estudos sobre contaminação ambiental. Vale ressaltar que os HPAs tem sua origem tanto natural quanto antropogênica. Algumas espécies de vegetais de médio e grande porte, de fungos e de bactérias produzem através de seu metabolismo alguns HPAs.
Lixão contribui para degradação do Rio Aurá - O trabalho de iniciação científica de Lorena Soares teve como foco a presença de HPAs no Rio Aurá, localizado próximo aos mananciais de abastecimento de água da cidade de Belém e, ao mesmo tempo, ao lixão do Aurá, o qual recebeu durante muitos anos o lixo produzido pela capital do estado do Pará.
De acordo com Lorena Soares, a queima do lixo no aterro sanitário e o acúmulo de chorume são as principais fontes de HPAs para o rio Aurá, esses compostos são transportados pelas chuvas até o rio e se depositam nos sedimentos de fundo. “Os HPAs pirolitícos são formados através da combustão incompleta dos resíduos orgânicos, e, no lixão do Aurá há uma grande incidência de queimadas. Muitas, provocadas intencionalmente pelos catadores para tentar conter o acúmulo de lixo. Assim, estudar essa área foi de extrema importância para compreender o quanto as atividades no lixão poderiam estar prejudicando a qualidade dos sedimentos do rio Aurá.”
Por apresentarem uma característica hidrofóbica, ou seja, possuírem a tendência a “evitar a água”, esses compostos químicos associam-se aos particulados em suspensão na água e depositam-se no fundo dos rios fazendo parte dos sedimentos. Existem organismos que interagem diretamente com os sedimentos e podem vir a assimilar alguma quantidade de HPAs transferindo esses compostos, antes inertes no sedimento, para níveis mais elevados da cadeia alimentar aquática. Quando as famílias que vivem às margens do Rio Aurá consomem peixes capturados no local, há a possibilidade de estarem entrando em contato com pequenas concentrações dessas substâncias.
“Invertebrados bentônicos (poliquetas, camarões, caranguejos e moluscos) podem acumular esses compostos orgânicos em seus tecidos e transferi-los para outros organismos da cadeia alimentar. Pessoas que se alimentam de organismos com elevados níveis de contaminação por HPAs podem vir a apresentar intoxicação ou, em casos mais extremos, desenvolver tumores. Entretanto, os efeitos dos HPAs não ocorrem de uma hora para outra, é necessário uma exposição crônica para provocar problemas de saúde”, ressalta Lorena Soares ao explicar a relação dos HPAs com a cadeia alimentar.
A pesquisa no Rio Aurá foi realizada em 10 pontos de amostragem. O primeiro ponto de coleta das amostras estava a cerca de 200 metros da cabeceira do rio e o último, próximo ao local onde o Rio Aurá desagua na Baía de Guajará. O estudo mostra que a quantidade de HPAs é diretamente proporcional à proximidade do lixão do Aurá.
“A concentração de HPAs no rio Aurá apresentou uma tendência decrescente com o distanciamento do lixão. A maior concentração observa foi cerca de 13.500 ng/g no ponto mais próximo ao lixão e a menor cerca de 6.000 ng/g, essa concentração se assemelha a valores observados em ambientes considerados com elevado grau de contaminação como, por exemplo, a Lagoa dos Partos (RS), a Baia de Todos os Santos (BA) e a Baia de Guanabara (RJ)”, detalha Lorena Soares.
Ao longo do rio, foram detectados os 16 HPAs indicados pela Agência de Proteção Ambiental dos E.U.A. (US-EPA) como prioritários em estudos ambientais: naftaleno, acenaftileno, acenafteno, fluoreno, fenantreno, antraceno, fluoranteno, pireno, benzo[a]antraceno, criseno, benzo[b]fluoranteno, benzo[k]fluoranteno, benzo[a]perileno, indeno[1,2,3-cd]pireno, dibenzo[a,h]antraceno e benzo[ghi]perileno. Os HPAs leves (com cadeias químicas menores e menos complexas) foram observados com uma maior frequência no início do rio Aurá e os HPAs pesados (com cadeias químicas maiores e mais complexas), predominaram em sua foz.
Uma das grandes preocupações da pesquisa realizada é quanto a possível contaminação de mananciais próximos ao rio, principalmente os lagos Água Preta e Bolonha, os quais abastecem a capital paraense. “Esses dois lagos ficam a pouco mais de 1 km da área onde se encontra o rio Aurá, é necessário também um monitoramento desses lagos”, alerta a pesquisadora.
A pesquisa na baía de Guajará – A dissertaçãode mestrado de Camila Santos do Programa de Pós-graduação em Geologia e Geoquímica da UFPA, avaliou a presença de HPAs na Baía de Guajará, especificamente na área em torno do Terminal Petroquímico de Miramar (TEMIR). Ao todo foram analisados cinco pontos através da coleta de amostras de sedimentos e do poliqueta Namalycastis abiuma, verme segmentado aquático pertencente ao filo dos anelídeos.
Os HPAs encontrados no TEMIR tiveram origem primariamente pirolítica, ou seja, eram provenientes principalmente da queima de combustíveis por embarcações e por automóveis na cidade de Belém. “A contaminação na baía do Guajará se dá, principalmente, por ser um local de intenso fluxo de embarcações de pequeno e médio porte; por ter em suas margens o TEMIR assim como outros portos; pelo crescimento da frota automotiva da cidade de Belém; pela presença de canais que desembocam na baia carreando efluentes para o interior da mesma; e pelo fato de não existir uma coleta regular de lixo na comunidade ribeirinha fazendo com que essas pessoas tenham de queimar o lixo que produzem. Todos esses fatores colaboram, mesmo que com intensidades diferentes, para o aumento na produção de HPAs que tem como destino final os sedimentos de fundo da baía de Guajará”, detalha a oceanógrafa.
A área estudada apresentou uma concentração total de HPAs igual a 1.351,4 ng/g durante o período de menor pluviosidade e igual a 263,99 ng/g no período de maior pluviosidade, o que pode estar relacionado com o aumento da hidrodinâmica da baía de Guajará neste último período acarretando na diluição desses contaminantes. Com base nesses valores, a baia de Guajará pode ser classificada como moderadamente impactada durante a estação menos chuvosa.
Os valores de HPAs parecem influenciar a densidade populacional dos poliquetas, pois foi observada uma redução de cerca de 50% no número de organismos durante o período menos chuvoso quanto foram detectados os maiores valores nas concentrações de HPAs. Os compostos entrados nos sedimentos foram semelhantes aos observados no poliqueta Namalycastis abiuma indicando a assimilação desses contaminantes pelos organismos através dos sedimentos.
“Os HPAs só são considerados efetivamente como um problema ambiental quando estão biodisponíveis para transferências através da cadeia alimentar podendo vir a causar danos à comunidade aquática e ao homem. Caso esses contaminantes estejam inertes ou ‘presos’ nos sedimentos, significa dizer que o mesmo serve como sumidouro de HPAs. E esse é um processo desejável.”, detalha a doutoranda Camila Santos.
Os HPAs não são facilmente degradados devido à sua complexa estrutura química, estudos de monitoramento e a conscientização ainda são as melhores ferramentas para a preservação da baía de Guajará e, consequentemente, do bem-estar população belenense. Camila Santos dá continuidade e ampliação ao estudo dos HPAs na baia de Guajará em seu projeto de doutorado sob a orientação do Prof. Dr. José Augusto Corrêa. As pesquisadoras concluem em seus trabalhos indicando.
Texto: Lucas Muribeca – Assessoria de Comunicação da UFPA
Publicado em: 15/07/2015
Unidade: Programa de Pós-graduação em Geologia e Geoquímica da UFPA
Status: Pesquisador José Augusto Correia disponível para entrevistas.
Acesse aqui a pesquisa completa no Rio Aurá e aqui a pesquisa completa na Baía de Guajará.
Redes Sociais