Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página
Banco de Pautas

Pesquisa da UFPA analisa romances na velhice

Estudo desenvolvido por professora de Serviço Social fala sobre romances entre idosos

Nossos pais e avós também namoram. A constatação parece simples, mas a manutenção da vida afetiva e da sexualidade após os 60 anos ainda pode ser encarada como tabu em muitas famílias. As vésperas do dia dos namorados, A pesquisadora Andrea Mello Pontes, da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA) comenta sobre o amor na terceira idade.

A percepção sobre velhice mudou ao longo dos últimos anos. Na UFPA o projeto Universidade da Terceira Idade (UNITERCI) é um exemplo dos novos papeis e vivências que homens e mulheres, após os 60 anos, que, desempenham na sociedade. A pesquisadora Andréa Mello Pontes analisou a velhice entre as mulheres idosas que participavam da UNITERCI e buscou entender como elas estavam reconstruindo suas vidas e a própria percepção da velhice, incluindo sua dimensão afetiva.

A pesquisadora faz parte do grupo Interfaces que discute temas relacionados a gênero, gerações e família na contemporaneidade e os dados são da pesquisa “Quem de uma escapa, cem anos vive”, que se constituiu como um dos capítulos de sua tese de doutorado “El envejecimiento feminino em la ciudad de Belém – Pará”. Conheça mais sobre a pesquisadora e seus projetos aqui.

Idosas da UNITERCI preferem “ficar” - No grupo em que ela pesquisou, predominavam mulheres divorciadas e viúvas e embora elas mantenham relações afetivas, nem pensam em casar-se novamente. Essa decisão está atrelada a experiência de vida delas. “As mulheres idosas deste grupo que eu estudei são de uma geração em que a mulher estava, na relação familiar, muito destinada ao cuidado da família e dos filhos, do marido, da casa. A juventude e a vida adulta delas estava muito vinculada ao espaço doméstico”, detalha. Essa dedicação à família por vezes sufocava um projeto de vida pessoal e profissional da mulher, como ir á universidade, por exemplo, e ela vivia sob um modelo social imposto, machista e que pregava a submissão feminina.

Com a mudança no papel da mulher na sociedade e a mudança da visão sobre o que é velhice, há um ambiente propício para que essa mulher idosa, após se separar ou ficar viúva, possa ter novas experiências que não pôde vivenciar antes, assumindo maior autonomia também nas relações afetivas.

Segundo a professora, elas não querem mais um relacionamento de submissão e de preocupação com marido e casa – que elas compreendem como casamento – e buscam, assim, novas formas de viver a vida, realizando sonhos e tendo mais tempo para cuidar de si mesma. No entanto, a professora ressalta: “Elas não querem um novo casamento para não se subordinar novamente, mas elas namoram. Elas não estão sós”.

Dentre as atividades da UNITERCI, foi nos bailes e momentos de convivência que a pesquisadora pode observar como as mulheres velhas do projeto demostravam seus interesses afetivos e sexuais, às vezes impensáveis  para alguém com mais de 60 anos. “Nestes encontros observei o flerte, a paquera, a sedução e a disputa pelos pares preteridos. Tudo muito semelhante ao que temos entre casais mais jovens”, relembra.

“Na velhice você tem amor, sexualidade presente, interesse pelo outro. Não se perde isso porque se envelhece. Claro que devido à experiência vivida por esses velhos é uma nova configuração desse relacionamento, desfrutando tudo o que a vida oferece hoje”, reflete Andréa Mello Pontes.

“Namorar é melhor agora que sou velha” - Ela explica que os relacionamentos atuais têm mais liberdade de expressão de sentimentos e manifestações de carinho. Abraços, beijos e gestos de afeto são comuns hoje, mas quando as senhoras pesquisas eram jovens até segurar na mão ou ficar a sós com o namorado poderia ser polêmico. Por isso muitas delas asseguram: “É muito melhor ser velho do que ser jovem.”. Isso porque elas podem agora ‘ficar’, namorar e até mesmo se manifestar sexualmente com mais liberdade do que há uma geração atrás.

“O momento que a gente vive hoje, vem sendo um reescrever de novas formas de envelhecer, nas quais amar, ter sexo, relacionamento, namoro, ficar, recasar, tudo passa a ser uma possibilidade real, concreta que a velhice é uma barreira, não pode impedir isso”, defende a professora de Serviço Social.

Entre as casadas, relacionamentos também mudaram - Embora não fosse o foco das análises, a pesquisadora também observou mudanças nos relacionamentos das senhoras que ainda estavam casadas. Isso porque durante o processo de convívio na UNITERCI, muitas delas passaram a ter um novo posicionamento de autonomia dentro do casamento, deixando de lado a subordinação ao marido e assumindo um papel de emancipação. Em alguns casos isso modificou a interação entre o casal, em outros casos influenciou processos de divórcios.

“Uma delas, durante as entrevistas, virava para o marido e dizia: ‘Ele não manda mais em mim’. E ele, que também participava do projeto e tinha contato com as mesmas informações que ela, apenas consentia e sorria: ‘Fazer o que, né?’.

Vida sexual vai além do aspecto físico - A pesquisadora também reforça que a sexualidade não está condicionada pelos aspectos físicos ou biológicos. “Os idosos nos ensinam isso: a sexualidade, o prazer e o desejo não estão condicionados pela funcionalidade biológica. Eles recriam essa sexualidade e a vida sexual. Às vezes discursos de virilidade, por exemplo, não estão relacionados a manutenção das mesmas funcionalidades biológicas, ou seja, ele está sexualmente ativo, mas não tem o mesmo ‘desempenho’ que antes.

Durante as pesquisas do doutorado, Andrea Melo lembra de um casal que conheceu na Espanha. Eles se conheceram idosos, ele padre e ela já sabia que sofria com esclerose múltipla. Ele ‘largou a batina’ e eles namoraram e decidiram se casar e ir viver numa instituição de longa permanência, ele por ser idoso e ela por sofrer de uma doença degenerativa. “Apesar de não andar e precisar ser carregada e dele ser bem velhinho, ela me narrava com detalhes a vida sexual satisfatória que eles tinham. Ela descrevia o prazer e os orgasmos que tinha mesmo sem a penetração”.

“Por ‘biologizarmos’ a vida sexual, imaginamos que idosos não a tem, mas se há decrepitude do físico, do corpo, não há decrepitude do desejo ou do prazer”, ressalta Andrea Mello Pontes, que acrescenta que a excitação e a sedução começa nos olhares e nas carícias e sofre influencia de muitos fatores, como a ligação afetiva entre o casal e até mesmo as lembranças que eles têm juntos. O “condicionamento físico” é apenas mais um entre tantos aspectos.

Alguns casos de saúde, inclusive, tem chamado a atenção de pesquisadores e do poder público em relação a sexualidade na terceira idade. Um deles é o aumento do número de idosos com doenças sexualmente transmissíveis, especialmente AIDS. “Foi com estes dados que iniciaram as campanhas de uso de camisinha na ‘terceira idade’ e que caiu por terra a ideia de que ‘velho não transa’”, revela a pesquisadora de serviço social.

Mesmo que a vida sexual na velhice seja diferente da mantida na juventude, ela permanece e é satisfatória. “Eu vejo que o momento que a gente vive é um momento fundamental de ressignificar a velhice, principalmente na experiência das mulheres onde o relacionamento afetivo não sofre nenhuma interdição pela velhice a não ser no campo mesmo das relações humanas. E a vida sexual também se recria, se recompõe, é permanente e pode inclusive, como foi na experiência dessas mulheres, ser melhor da vivida na juventude e até na adolescência”.

Texto: Ronaldo Palheta e Glauce Monteiro – Assessoria de Comunicação da UFPA
Publicado em: 10/06/2015
Unidade: Faculdade de Serviço Social do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).
Status: Pesquisadora Andrea Mello Pontes disponível para entrevistas.
Fotos: Alexandre Moraes, Revista Life e Divulgação/Amour.

registrado em: ,
Fim do conteúdo da página